sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

120. Eterno retorno?

Depois de uma semana de birrinhas entre o Senhor Presidente e o Senhor Primeiro-Ministro e de uma agressão ao Papa, sinto-me tão completamente eighties:

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

119. Autópsia de uma boa intenção















(de qualquer modo, a noite apanha-nos sempre de mãos vazias)

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

domingo, 8 de novembro de 2009

117. A presteza do mal









Celebrámos condignamente o primeiro domingo de chuva invernosa: telefones desligados, espreguiçamento geral e, no DVD, Vampyr, de Carl Th. Dreyer (1932); mais logo, castanhas assadas.





Diz Dreyer: "quis criar na tela um sonho acordado e mostrar que o horrível não se encontra nas coisas que nos rodeiam, mas no nosso subconsciente".




A cena da morte do médico (Jan Hieronimko), sufocado pela farinha que vai sendo moída na azenha, foi parcialmente censurada na primeira exibição do filme, em Berlim, no ano de 1932 (tal como, aliás, a execução da vampira com o inevitável ferro aguçado no peito). Na verdade, a agonia do médico foi abreviada.

A edição que comprámos tem as duas cenas originais (mais 53 metros de fita), mantidas na versão francesa. E o médico da aldeia morre, de facto, mais devagar, no meio da farinha branca, exibindo um sofrimento inusitadamente real para a cinematografia da época.

Não mais do que dez anos depois, também em Berlim, Am Grossen Wannsee, decidia-se a Endlösung, onde a sufocação por gás teria um papel preponderante.
Sim, o horrível está no subconsciente, não admira que o mal irrompa de um momento para o outro e se "banalize" (Arendt), na sua realização, com facilidade.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

116. Zizek on Lynch

Desde miúdo que não me importo muito de ficar com gripe. Por alguns dias, o tempo torna-se todo nosso.
Além disso, a febre é um bom pretexto para fugir às leituras profissionais e ler coisas verdadeiramente importantes, ou absorver umas inutilidades, ou embarcar em certos delírios (apenas a partir dos 38,5º C).
Vem isto a propósito de um clip que pus aqui há uns tempos atrás (a cena "Bobby Peru pays a visit", do Wild at Heart) e que vai reposto em baixo. Aproveitei a subida do termómetro e comecei o The Parallax View, de Slavoj Zizek, armazenado para este tipo de situações. A páginas 69, depois da leitura mais linear da cena ["Bobby Peru is a figure of politeness: the true aim of his brutal intrusion is to force Laura Dern to pronounce an offer which she will mean literally, and then treat it as an offer to be refused (since it would be impolite to act on it directly)"] deparei-me com esta outra construção, ela sim adequada aos meus 38º,7 C:

"Another way of accounting for the uncanny impact of this scene (...) is to focus on the underlying reversal of the standard division of roles in the heterosexual process of seduction. We could take as our starting point the emphasis on Dafoe's all-too-large mouth, with its thick wet lips, spitting its saliva around, contorted in an obscene way, with ugly, twisted, discolored teeth - do they not recall the image of vagina dentata, displayed in a vulgar way, as if this vaginal opening itself is provoking Dern into 'Fuck me!' This clear reference to Dafoe's distorted face as the proverbial 'cuntface' indicates that beneath the obvious scene of the aggressive male imposing himself on a woman, another fantasmatic scenario is played out: that of a young, blond, innocent adolescent boy aggressively provoked and then rejected by a mature, overripe vulgar woman; at this level, the sexual roles are reversed, and it is Dafoe who is the woman teasing and provoking the innocent boy."

É engraçado rever a cena com estes (do Zizek) olhos, sobretudo o enquadramento do rosto da Dern (subitamente andrógino) no plano entre os 3'20'' e os 3'30''.






segunda-feira, 26 de outubro de 2009

domingo, 11 de outubro de 2009

114. Lavar os cestos


Ao fim de dois actos eleitorais e tantos meses de discursos, programas, indignações, dilatações do ego, intrigas, acusações, análises e contra-análises, vigilâncias, reserva mental, espionagem, lama e riso barato, processos judiciais, previsões e projecções, mais egodilatações, calculismo e desinteresse e interpretações delirantes,

ficámos mais ou menos na mesma.

Com duas diferenças porém: José Sócrates perdeu a maioria absoluta e Cavaco Silva mostrou quanto vale, como Presidente da República, numa situação de tensão.

Em suma: valeu a pena, viva as eleições.

(foto tirada daqui)

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

113. Nos muros


Conheci hoje a anta de Arquinha da Moura (perto de Lajeosa do Dão, entre Tondela e Canas de Senhorim). O registo pode ver-se aqui, uma boa foto aqui.
A mamôa foi reconstruída e dizem que a anta está bem conservada (os primeiros trabalhos de escavação são muito recentes, de 1990). Não pude ver, tem uma bela grade de aço com cadeado a tapar a entrada.

Mas o que mais surpreende são as pinturas nos esteios, reproduzidas no cartaz que está cá fora. Segundo parece, a primeira representa uma "pele esticada", com mais de um metro de altura, ladeada por figuras antropomórficas.




A segunda tem a seguinte interpretação oficial: "Relativamente ao elemento antropomórfico, ele surge-nos segurando, acima da cabeça e com dois extensos raios, um símbolo solar, do qual parece nascer uma segunda representação humana revestido de armação caprina, a mesma que tem sido interpretada como elemento quadrúpede".


Torço para que seja isso, é muito mais fascinante do que um homem a laçar o pescoço de um quadrúpede. Sem ironias.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

112. Lynch on Moby



Do novo álbum, Wait for Me. Animação de David Lynch (muito inspirado em Frank Miller e Loustal).

quarta-feira, 15 de julho de 2009

111. "Profissões"

Logo na primeira vez que a ouvi, em criança, a expressão "profissão de fé" causou-me estranheza. Ainda me explicaram que profissão não significa só ofício, mas a circunstância de os padres oficiarem missas deitou a perder toda a possibilidade de reconciliação racional com o conceito: a institucionalização da intimidade religiosa sempre me pareceu um paradoxo.
Mas não só a profissão da fé: também os profissionais da independência e da heterodoxia me constrangem quando as reivindicam pública e repetidamente, como se assim as acrescentassem.
Exceptuam-se aqueles que o fazem com graça, e a cantar.



110. Da espera sem quartel

Ainda a propósito da paciente espera da "palavra-resumo":

a "Allemanha, esse paiz do philosophismo e das methodificações" (Levy Maria Jordão, O Fundamento do Direito de Punir, 1853).

"Filosofia" e "metodologia" seriam tão (lá está, falta-me aqui o advérbio) escassos.

terça-feira, 7 de julho de 2009

109. Fixações


Não me passou despercebido, mas na altura certa não consegui fazê-lo. Felizmente somos uns animais, temos gavetas para tudo, mesmo que seja o que o Bénard da Costa podia ter chamado um dos nossos livros da vida, tudo é arquivável.

"Molero diz que tudo pode ser fabricado, incluindo a morte e o amor, muito embora seja mais cómodo, menos definitivo, esperar a palavra-resumo das fontes do instinto, a mais acabada forma de subterfúgio em que se não coloca em jogo nada que seja fundamental" (Molero, a páginas 90).

terça-feira, 23 de junho de 2009

segunda-feira, 15 de junho de 2009

107. Hay que tenerlos (e se for preciso, importem-nos)

Há dias, deliciei-me com uma salada de tomate extraordinária na Alemanha. Tomates verdadeiros, doces e sumarentos, de sabor intensíssimo. Aqueles a que chamávamos coração-de-boi e que comíamos só com sal grosso e um fio de azeite dentro de um pão. Antes de usarmos o dinheiro dos alemães para produzir estas bolas insípidas de água vermelha que nos vendem por tomates.

domingo, 24 de maio de 2009

106. Evoluções






















Prisão de Bodmin, Cornualha

(última utilização em 20 de Julho de 1909)

























St. Ives, Cornualha

(última utilização em 7 de Maio de 2009)

segunda-feira, 11 de maio de 2009

quinta-feira, 16 de abril de 2009

104. Precisa-se de um Ministério Público para o Ministério Público

Desde o princípio deste blog que procurei não escrever sobre a espuma política, judiciária, etc. O ângulo morto não pretende imiscuir-se no "debate cívico", nem é agente da "democracia participativa". Mas hoje não resisto a manifestar a minha imensa perplexidade com as declarações do dr. João Palma, que, na sua tomada de posse, afirmou: "a acção penal exclui os mais poderosos e influentes". A acção penal, de que o Ministério Público é titular.
Depois de se queixar aos jornais das eventuais pressões ilegítimas sofridas pelos magistrados titulares de certo processo, em vez de pedir, como devia, a sua investigação a quem de direito, este exercício de auto-crítica fica a meio caminho entre o patético e o confrangedor.
Num qualquer país decente, alguém instauraria um processo de averiguações, tendente a saber se estes desabafos são compatíveis com o exercício das funções; ou, ao menos, alguém faria um cartoon.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

103. Amores verdadeiros



Until the end of time / I'll be there 4 U
U own my heart and mind / I truly adore U
(...)
U could burn up my clothes
Smash up my ride (well maybe not the ride)

quinta-feira, 26 de março de 2009

sexta-feira, 13 de março de 2009

101. "Nothing gold can stay"

A velhice tem vários começos. O primeiro acontece quando os tornozelos desistem de jogar à bola. Depois, do nada, começamos a pensar em todas as coisas que não teremos tempo de aprender.
Por outro lado, à medida que o tempo passa, é cada vez mais provável ferrar e não perder uma truta de 3 quilos. Mesmo que só restem, na melhor das hipóteses, umas 35 épocas.

domingo, 1 de março de 2009

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

99. All that is solid melts into air

Nos últimos tempos, a rádio deixou de matraquear a publicidade dos bancos ao crédito à habitação. Spreads, Euribor, taxa fixa, tudo se desvaneceu e já não se sabe se realmente chegou a existir, mesmo no éter.
Ouvi hoje o novo must: uma conta-poupança, com entregas a partir de 25 euros por mês e, de prémio, uma viagem de avião "para a Europa", ou um desconto de 50% num seguro qualquer.
Sob o lema: "pense em si, poupe".
Quem diria.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

96. Ver, o que é?









sempre viste mal
dizem-me
é um arco falso

eu sinto_____uma ponte
mas é talvez o ângulo
deste lado das grades

95. Jardins lusitanos




sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

94. Not what you think:



... this is not a photoblog.
Faz hoje um ano que o underskincomma começou a lançar os seus filamentos por aí. Parece, mas não é, um blog de fotografia; é uma coisa com fotografias dentro, cuja estrutura - e única regra constante - é clara desde o princípio: a composição por "binómios". Não há texto sem fotografia nem fotografia sem título. Na maior parte dos casos, o sentido é dado pela conjugação (ou, às vezes, interferência) da imagem com o título. Trata-se, assim, de uma subversão (ou, em sentido que já veremos, superação) da velha querela - no reino da fotografia e dos fotógrafos - sobre se as fotografias podem ter um título: sendo a fotografia já, em si mesma, uma apropriação subjectiva ou mesmo falsificação do real, a aposição de um título ou de um texto condiciona e complica o sentido, desviando a atenção da "pureza" da imagem e sobrecarregando-a com dimensões semânticas exteriores à simples percepção visual.
Se esta discussão pode ter lugar na fotografia, não o tem ali onde aquela perturbação do olhar é assumida como parte essencial da obra, que por sua vez consiste em mostrar "um mundo que, sendo o nosso, não é o nosso". Mostrar, e não construir, porque se vai percebendo, em cada desenvolvimento, que ele já existe algures - só não sabemos tocar o eixo sobre que gira, apesar das referências centrífugas (Tom Waits, Sylvia Plath, a perda, o sonho, o humor, o alien, a ilusão).
No conteúdo, ao lado de "binómios" onde pesa sobretudo o lado visual (como em "Well there's one thing you can't lose, it's that feel", "Lho, here I go!", "The tea drinker", "When life imitates art", que são, de si, grandes fotos - e talvez por isso o título surja às vezes como uma excrescência), há outros onde os títulos transformam imagens vulgares em inquietações ("Trying", Feeling Pollock III", "There's always a suspect" - que parece a transposição plástica de "What the hell is he building in there?") ou risos abertos ("Neighbourhood watch" e, em geral, a série "Not what you think").
Mas os meus "binómios" preferidos são aqueles onde as imagens e os títulos se apresentam com o mesmo grau de intensidade, onde os dois elementos aderem sem folga na criação de um sentido original ("Oh yes, I can see now!", "Immigration", "May day", "Mapping the garden", "Split personality", "Hope", "Love at first sight", "La noia", "Keep moving", "Why don't you love me?", "Nightmare III", "Tango", "To Mrs. Plath" e "Grief").
Decerto, "It is all in your mind" - mas é preciso saber rasgar as janelas. Parabéns, miúda!

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

93. Um lugar triste

Há dias fizemos umas excursões aos mosteiros mais antigos da zona, Lorvão (séc. IX?) e Vacariça (séc. X?). No que aqui interessa: na Vacariça, porque do mosteiro só resta uma casa particular ornada de botijas de gás vazias, carcaças de automóveis e vestígios plumares da preparação de uma cabidela, perguntámos a uma cidadã onde era a antiga prisão. Olhou-nos com um sorriso desolado, que não nos entusiasmássemos muito: "sabe, isto dantes era histórico, agora é só um lugar triste".
À noite, vi a apresentadora de um programa filantrópico perguntar a um rapaz com ar meio perdido, a quem tinham feito uma cirurgia filantrópica: "então, estás contente com as tuas orelhas novas?".
A vantagem da cidadã da Vacariça é que julga haver, em volta, um país melhor.

domingo, 25 de janeiro de 2009

92. Pequenas coisas perfeitas
















"Desperto ainda oiço chegar o inverno -
onde iria com seus martelos de silêncio
seus cavalos lentos pela névoa
os dedos minúsculos sobre a pedra?"


Eugénio de Andrade, Rente à fala

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

90. Whitman na Ribeira das Cambas

A noiseless patient spider,
I mark'd where on a little promontory it stood isolated,
Mark'd how to explore the vacant vast surrounding,
It launch'd forth filament, filament, filament out of itself,
Ever unreeling them, ever tirelessly speeding them.

And you O my soul where you stand,
Surrounded, detached, in measureless oceans of space,
Ceaselessly musing, venturing, throwing, seeking the spheres to
connect them,
Till the bridge you will need be form'd, till the ductile anchor hold,
Till the gossamer thread you fling catch somewhere, O my soul.
(Walt Whitman, A Noiseless Patient Spider); para a Micha, fingindo que hoje é dia 20 de Janeiro.

domingo, 11 de janeiro de 2009