sábado, 20 de setembro de 2008

75. Perse (versão 1.0)


Estreitas são as naus...

2-

No coração do homem, solidão. Estranho o homem, sem beira, ao pé da mulher, ribeirinha. E eu mar de mim mesmo orientado para ti, como na tua areia de ouro misturado, que eu vá de novo e tarde, sobre a tua riba, no desenrolamento tão lento dos teus anéis de argila – mulher que se faz e se desfaz com a vaga que a engendra...


E tu mais casta por estares mais nua, somente de tuas mãos vestida, tu não és Virgem dos grandes fundos, Vitória de bronze ou de pedra branca que se recolha, com a ânfora, nas grandes malhas carregadas de algas dos jornaleiros de mar; mas carne de mulher no meu rosto, calor de mulher sob o meu olfacto, e mulher que alumia o seu aroma como a chama de fogo rosa entre os dedos semi-juntos.


E como o sal está no trigo, o mar em ti no seu princípio, a coisa em ti que fora de mar, fez-te esse gosto de mulher feliz e de quem nos abeiramos... E o teu rosto está revirado, a tua boca é fruto a consumir, no fundo do barco, pela noite. Livre o meu sopro sobre a tua garganta, e a subida, de todas as partes, dos lençóis do desejo, como nas marés vivas, quando a terra fêmea se abre ao mar salaz e macio, ornado de bolhas, até aos seus charcos, suas rias, e a maré alta nos pastos faz o seu barulho de nora, a noite está cheia de eclosões...


Ó meu amor com gosto de mar, que outros apascentem longe de mar a écloga no fundo dos valezinhos cercados – mentas, melissa e meliloto, calores de alisso e de orégão – e que um fale de tomadias de abelhas, e outro assista à parição do anho, e a ovelha feltrosa beije a terra no fundo das paredes de pólen negro. No tempo em que os pêssegos enodam, e os atilhos são escolhidos para a vinha, eu cortei o nó de cânhamo que segura o casco no seu berço, no seu berço de madeira. E o meu amor está sobre os mares! e a minha queimadura está sobre os mares!...


Estreitas são as naus, estreita a aliança; e mais estreita a tua medida, ó corpo fiel da Amante... E o que é este corpo ele próprio, senão imagem e forma do navio? bote e barco, e nave votiva, até à sua abertura média; instruído em forma de querena, e sobre suas curvas afeiçoado, vergando o duplo arco de marfim à vontade das curvas nascidas de mar... Os ajuntadores de cascos, em todos os tempos, tiveram este jeito de ligar a quilha ao jogo das juntas e cavernas.


Nau, minha bela nau, que cede sobre suas juntas e transporta a carga de uma noite de homem, tu és-me nau que leva rosas. Rompes sobre a água cadeia de oferendas. E aqui estamos, contra a morte, nos caminhos de acantos negros do mar escarlate... Imensa a aurora chamada mar, imensa a extensão das águas, e sobre a terra feita sonho aos nossos confins violetas, todo o marulho que ao longe se levanta e se coroa de jacintos como um povo de amantes!


Não há usurpação mais alta do que na nau do amor.

Um comentário:

io disse...

Belo. Muito, muito belo. Obrigada, PC.