terça-feira, 23 de setembro de 2008
sábado, 20 de setembro de 2008
75. Perse (versão 1.0)
2-
No coração do homem, solidão. Estranho o homem, sem beira, ao pé da mulher, ribeirinha. E eu mar de mim mesmo orientado para ti, como na tua areia de ouro misturado, que eu vá de novo e tarde, sobre a tua riba, no desenrolamento tão lento dos teus anéis de argila – mulher que se faz e se desfaz com a vaga que a engendra...
E tu mais casta por estares mais nua, somente de tuas mãos vestida, tu não és Virgem dos grandes fundos, Vitória de bronze ou de pedra branca que se recolha, com a ânfora, nas grandes malhas carregadas de algas dos jornaleiros de mar; mas carne de mulher no meu rosto, calor de mulher sob o meu olfacto, e mulher que alumia o seu aroma como a chama de fogo rosa entre os dedos semi-juntos.
E como o sal está no trigo, o mar em ti no seu princípio, a coisa em ti que fora de mar, fez-te esse gosto de mulher feliz e de quem nos abeiramos... E o teu rosto está revirado, a tua boca é fruto a consumir, no fundo do barco, pela noite. Livre o meu sopro sobre a tua garganta, e a subida, de todas as partes, dos lençóis do desejo, como nas marés vivas, quando a terra fêmea se abre ao mar salaz e macio, ornado de bolhas, até aos seus charcos, suas rias, e a maré alta nos pastos faz o seu barulho de nora, a noite está cheia de eclosões...
Ó meu amor com gosto de mar, que outros apascentem longe de mar a écloga no fundo dos valezinhos cercados – mentas, melissa e meliloto, calores de alisso e de orégão – e que um fale de tomadias de abelhas, e outro assista à parição do anho, e a ovelha feltrosa beije a terra no fundo das paredes de pólen negro. No tempo em que os pêssegos enodam, e os atilhos são escolhidos para a vinha, eu cortei o nó de cânhamo que segura o casco no seu berço, no seu berço de madeira. E o meu amor está sobre os mares! e a minha queimadura está sobre os mares!...
Estreitas são as naus, estreita a aliança; e mais estreita a tua medida, ó corpo fiel da Amante... E o que é este corpo ele próprio, senão imagem e forma do navio? bote e barco, e nave votiva, até à sua abertura média; instruído em forma de querena, e sobre suas curvas afeiçoado, vergando o duplo arco de marfim à vontade das curvas nascidas de mar... Os ajuntadores de cascos, em todos os tempos, tiveram este jeito de ligar a quilha ao jogo das juntas e cavernas.
Nau, minha bela nau, que cede sobre suas juntas e transporta a carga de uma noite de homem, tu és-me nau que leva rosas. Rompes sobre a água cadeia de oferendas. E aqui estamos, contra a morte, nos caminhos de acantos negros do mar escarlate... Imensa a aurora chamada mar, imensa a extensão das águas, e sobre a terra feita sonho aos nossos confins violetas, todo o marulho que ao longe se levanta e se coroa de jacintos como um povo de amantes!
Não há usurpação mais alta do que na nau do amor.
quarta-feira, 17 de setembro de 2008
74. Perse
Mar de Baal, Mar de Mammon
(...)
2.
Com aqueles que, indo-se, deixam às areias as sandálias, com aqueles que, calando-se, se abrem as vias do sonho sem retorno,
Caminhamos um dia para ti nas nossas roupas de festa, Mar inocência do Solstício, Mar despreocupação do acolhimento, e já não sabemos bem onde param os nossos passos…
Ou és tu, fumo do umbral, que por ti mesmo te elevas em nós como o espírito sagrado do vinho nos vasos de madeira violeta, no tempo dos astros incandescentes?
Nós assediamos-te, Esplendor! E parasitar-te-emos, colmeia dos deuses, ó mil e mil quartos de espuma onde se consuma o delito. – Sê connosco, riso de Cumes e último grito do Efesiano!...
Assim o Conquistador, sob a sua pluma de guerra, às últimas portas do Santuário: «Habitarei os quartos interditos e aí passearei…» Betume dos mortos, não sois o adubo desses lugares!
E tu, tu auxiliar-nos-ás contra a noite dos homens, lava esplêndida no nosso umbral, ó Mar aberto ao triplo drama: Mar do transe e do delito; Mar da festa e do fulgor; e Mar também da acção!
*No prato: Michael Nyman, Prospero's Magic (Prospero's Books, 1991)
quinta-feira, 11 de setembro de 2008
73. O primeiro mês
Não sei exactamente em que Era o mundo entra, mas paira por aqui um odor inconfundível de vida nova.
*No prato: David Sylvian, Let the Happiness in
terça-feira, 9 de setembro de 2008
72. Tal como eu suspeitava
E a estrela apátrida caminha nas alturas do Século verde,
E a minha prerrogativa sobre os mares é sonhar para vós este sonho do real... Eles chamaram-me o Obscuro e eu habitava o fulgor".
Saint-John Perse, Du Maître d'astres et de navigation (excerto; tradução minha)